As palavras de Calvino nos servem de alerta ao lidarmos com sua doutrina de Deus. Mais do que qualquer outro assunto, é necessário cuidado e humildade. Mais um alerta do reformador nos será útil.
"Sua infinitude nos deve aterrar para que não o tentemos medir com nossos sentidos; sua natureza espiritual, por outro lado, veda que se imagine a seu respeito todo e qualquer aspecto terreno ou carnal. Pela mesma razão é que mais frequentemente prescreve seu domicílio no céu. E contudo, visto que ele trancende a todo limite, também enche a própria terra." (idem)
Assim, tratando do Criador, é importante termos em mente que lidaremos com definições, pois é necessário que se fale sobre a Trindade. Para introduzir o assunto, reformador utiliza Hebreus 1.3: "[Cristo] O qual, sendo o resplendor da sua glória [de Deus], e a expressa imagem da sua pessoa (ὑπόστασις - hipóstase)". Calvino também leva em consideração o fato da essência de Deus ser simples e indivisa. Como ele sabe disso? Ora, se negarmos essa verdade, estaremos dizendo que há mais de um deus, heresia que foi plenamente combatida em capítulos anteriores.
"O Apóstolo, designando o Filho de Deus como sendo a expressa representação da hipóstase do Pai, ao Pai atribui não dubiamente certa subsistência em que difere do Filho... Das palavras do Apóstolo concluímos com certeza que no Pai subsiste uma hipóstase própria, que esplende no Filho. Donde, também, em contrário, facilmente infere a hipóstase do Filho, que o distingue do Pai. O mesmo arrazoado vale em relação ao Espírito Santo... Portanto, se o testemunho do Apóstolo merece crédito, segue-se que há em Deus três hipóstases." (1.13.2, p.122)
Resumidamente, Deus é um em essência, mas nele há três hipóstases (ou pessoas, como veremos). Ao utilizar esses termos, Calvino enfrenta agora a questão da adequação de tais palavras, uma vez que termos como Trindade e Pessoa não existem na Bíblia, mas são conceitos criados por teólogos.
"Que impede que expliquemos, por meio de palavras mais corretas, aquelas coisas que nas Escrituras nos são suscetíves de perplexidade e embaraço ao entendimento, palavras que, entretanto, sirvam conscienciosa e fielmente à verdade da própria Escritura, e usadas parcimoniosa e comedidamente, não inoportunamente?... Se alguém, então, censura a novidade dos termos, porventura não se julgará, com merecida razão, que não se atenta dignamente para a luz da verdade, visto que está a censurar apenas isto: tornar a verdade clara e lúcida?" (1.13.3, p.123s)
Uma das tarefas mais importantes do teólogo é essa - abrir caminho para que a igreja possa percorrer mais facilmente a doutrina bíblica. O bom professor usa esses termos, alguns até complicados, como resumos para ensinar verdades supremas, sempre com o desejo de facilitar o crescimento de seu aluno. Calvino não foge dessa regra, como veremos nos próximos estudos.
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