"E, em primeiro lugar, certamente deve notar-se que é preciso considerar a providência de Deus tanto em função do tempo futuro quanto do passado. Em segundo lugar, que ela a tal ponto é a moderatriz de todas as coisas, que ora opera por meios interpostos, ora sem meios, ora contra todos os meios. Em terceiro lugar, que ela aponta para o fato de que Deus mostra tomar sobre si o cuidado de todo o gênero humano, mas principalmente que vela em governar a Igreja, a qual tem por digna da mais estrita atenção." (1.17.1, p.205)
Enfim, ao mesmo tempo que não podemos ir muito além do que a Bíblia nos revela sobre esse assunto, também não podemos negar que somos chamados a contemplar e nos maravilhar diante da soberania de Deus sobre o universo. Enquanto a vontade revelada de Deus (sua Lei e seu Evangelho) nos estão claramente expostos, a vontade oculta do Senhor é comparada por Calvino com um profundo abismo [Sl 36.6; Rm 11.33,34] que não podemos negar.
"Sua admirável maneira de governar o mundo com razão se denomina de abismo, porque, a despeito de nos ser ignota, deve ser reverentemente por nós adorada. Moisés expressou magnificamente a ambos esses aspectos em poucas palavras: 'As coisas ocultas', diz ele, 'pertencem a nosso Deus; aquelas, porém, que foram aqui escritas pertencem a vós e a vossos filhos' [Dt 29.29]. Vemos, pois, que ele ordena não apenas aplicarmos diligência em meditar a lei, mas ainda reverentemente contemplarmos a providência secreta de Deus." (1.17.2, p.207)
Agostinho também é citado nesse trecho, demonstrando que temos uma lei que devemos nos submeter e a lei que a todos Deus submete, mesmo que secretamente. Cabe ao crente reconhecê-la.
"Porque não conhecemos tudo que, na melhor disposição possível, Deus opera em relação a nós, agimos só em boa vontade, segundo a lei; contudo, segundo a lei, se age em outras coisas sobre nós, pois sua providência é uma lei imutável." (Agostinho, citado em 1.17.2, p.208)
Uma dos aparentes problemas que a doutrina da providência levanta diz respeito à responsabilidade. Calvino cita alguns escritores pagãos que diziam que isso geraria o fim da responsabilidade humana, pois se Deus controla tudo, ele controla nossas decisões para o mal. O reformador falará sobre isso nas próximas seções, mas introduziremos o assunto aqui.
"Eu, porém, não sou causador, e, sim, Zeus e o Destino... Deus foi o impulsor; creio que os deuses o quiseram, porquanto se não o quisessem, sei que não teria acontecido." (citando Agamenão, de Homero, e Licônio, de Plauto, 1.17.3, p.208)
"Até mesmo concluem que haverão de ser perversas, não só totalmente supérfluas, as orações dos fiéis nas quais se pede que o Senhor proveja àquelas coisas que decretou já desde a eternidade." (1.17.3, p.209)
Assim, é necessário que nos dediquemos mais tempo a essa questão. Como já foi disto, é uma doutrina que mexe com verdades difíceis para o ser humano, e merece mais algum tempo de estudo. Que o Espírito Santo possa nos iluminar nessa empreitada.
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