"Contudo, aqui se erra de duas maneiras, a saber: além de ensinarem que nossa gratidão é para com a primeira graça, e seu legítimo uso é remunerado por dons subseqüentes, ainda acrescentam que a graça já não opera em nós sozinha, ao contrário, ela é apenas cooperante."(2.3.11, p.71)
Isso não quer dizer que Calvino negue doutrinas bíblicas, e em particular, palavras de Jesus a respeito de seus servos. É evidente que a Bíblia fala que os servos que são sábios no uso de seus dons receberão graça sobre graça. Isso está fora de questão. O debate aqui diz respeito à de onde vem a sabedoria desses servos.
"Quanto melhor uso fizerem das graças precedentes, de tanto maiores bênçãos haverão de ser aumentadas a seguir. Todavia, afirmo que esse uso também procede do Senhor, e que esta recompensa provém de sua graciosa benevolência, e que usam perversamente, não menos que desgraçadamente, essa desgastada distinção de graça operante e graça cooperante. É verdade que Agostinho fez uso desta distinção, contudo atenuando-a com uma cômoda definição: Deus executa, cooperando, o que começa, operando; e é a mesma graça, porém muda o nome, conforme o diferente modo do efeito" (2.3.11, p.72)
Assim, para Calvino, existe uma distinção entre a graça trabalhando sozinha e a graça cooperando com nossa vontade. O que o diferencia dos outros teólogos é que mesmo essa vontade que está cooperando com a graça é fruto da obra do Espírito Santo em nós. Nossa vida com Deus é baseada no que ele chama de multiplicidade da graça. E isto concorda com as palavras de Paulo em 1Co 15.10: "Trabalhei mais do que todos estes, não eu, mas a graça de Deus comigo". O reformador entende esse texto da seguinte maneira:
"Ora, o Apóstolo não está escrevendo que a graça do Senhor havia operado com ele de modo a fazer dele co-participante do labor, senão que, antes, transfere todo o louvor da ação somente à graça, mediante esta correção: 'todavia não eu', diz ele, 'mas a graça de Deus que estava presente comigo'." (2.3.12, p.73)
Assim, Calvino nos ensina a reconhecer mesmo nossos atos bons como frutos da ação poderosa de Deus sobre nossa vida, e não como um apoio para a graça divina. Ele nos chama a, como Bernardo, dizer:
"Ó Deus, atrai-me como por força, para fazer o que eu quero; arrasta-me, que sou moroso, para que me faças correr." (Sermões sobre Cântico dos Cânticos, XXI; idem)
Postar um comentário