O quarto mandamento guarda características diferentes, por sua natureza também cerimonial, o que leva Calvino a dedicar algumas páginas a mais à ordenança do sábado. O reformador entende que há aqui uma ordenança prefigurativa, com muitos aspectos abolidos com a vinda de Jesus. Ele apresenta três funções principais neste mandamento.
"Primeira, pois o celeste Legislador quis que sob o descanso do dia sétimo prefigurasse ao povo de Israel um repouso espiritual, pelo qual devem os fiéis descansar de suas próprias atividades para que deixem Deus neles operar. Segunda, quis ele que um dia fosse estabelecido no qual se reunissem para ouvir a lei e realizar os atos de culto, ou, pelo menos, o qual consagrassem particularmente à meditação de suas obras, de sorte que, por esta rememoração, fossem exercitados à piedade. Terceira, ordenou um dia de repouso no qual se concedesse aos servos e aos que vivem sob o domínio de outros para que tivessem alguma relaxação de seu labor." (2.8.28, p.54, grifos meu)
Sobre o primeiro sentido, Calvino chama a atenção para o fato do sábado ser um mandamento enfatizado rigidamente por Deus. Parece haver um sentido de dignidade maior nele que em outros mandamentos, especialmente por conta de seu sentido tipológico. Em certo sentido, ele é a manifestação da licenciosidade do antigo Israel.
"Com efeito, de quase nenhum mandamento mais severamente o Senhor exige obediência. Quando, nos profetas, quer dar a entender que toda a religião está subvertida, queixa-se Deus de que seus sábados foram profanados, violados, não observados, não santificados, como se, posta de lado esta deferência, nada mais restasse em que pudesse ser honrado [Is 56.2; Jr 17.21-23, 27; Ez 20.12, 13; 22.8; 23.38]." (2.8.29, p.154)
Calvino nota que o sábado é um símbolo do senhorio de Deus sobre nossas vidas, quando abrimos mão de nossa vontade por amor ao Senhor. Repousamos de nossas preocupações e desejos para ganhar algo muito maior.
"Se nossa santificação se patenteia na mortificação da própria vontade, então mui adequada correspondência se oferece do sinal externo com a própria realidade interior. Importa que nos desativemos totalmente, para que Deus opere em nós, abrindo mão de nossa vontade, resignando o coração, de seus apetites abdicando toda a carne. Enfim, impõe-se abster-nos de todas as atividades de nosso próprio entendimento, para que, tendo a Deus operando em nós [Hb 13.21], nele descansemos, como também o ensina o Apóstolo [Hb 4.19]." (2.8.29, p.155)
Além disso, o reformador também chama atenção para o sentido do sábado que aponta para o descanso eterno dos filhos de Deus. Era necessário guardar sábado pós sábado, a fim de relembrar o Dia em que viveremos eternamente dedicados a Deus.
"O Senhor assim indicou que o sábado nunca haverá de ser absoluto até que tenha chegado o último dia... Portanto, pode parecer que, mediante o sétimo dia, o Senhor tenha delineado a seu povo a perfeição futura de seu sábado no Último Dia, a fim de que, pela incessante meditação do sábado, a esta perfeição aspirasse por toda a vida." (2.8.30, p.155)
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