"Deve-se examinar em cada mandamento de que assunto se trata; em seguida, deve buscar-se seu propósito, até que descubramos o que propriamente o Legislador certifique aí agradar-lhe ou desagradar-lhe. Por fim, disto mesmo se deve extrair um arrazoado em contrário, deste modo: se isto agrada a Deus, o contrário lhe desagrada; se isto lhe desagrada, o contrário lhe agrada; se ele ordena isto, então proíbe o contrário; se proíbe isto, então ordena o contrário." (2.8.8, p.136)
O reformador entende que podemos ir um pouco além das meras palavras, analisando ações que não estão explícitas em certas ordens, mas que podem ser negadas ou aceitas, baseando-se em um único mandamento. Ele exemplifica esse entendimento com alguns dos preceitos das tábuas da Lei. Destacamos aqui sua interpretação do sexto mandamento.
"Neste mandamento, 'Não matarás' [Ex 20.13; Dt 5.17], o senso comum dos homens nada mais vislumbrará que se deve abster de todo malefício e do desejo de fazer o mal. Eu afirmo que, além disso, nele se contém que conservemos a vida do próximo com os recursos com que pudermos. E para que não fale sem razão, assim o confirmo: Deus proíbe que se fira ou se faça violência a um irmão injustamente, porque ele quer que sua vida nos seja cara e preciosa. Portanto, requer, ao mesmo tempo, aquelas efusões de amor que podem ser conferidas à sua preservação." (2.8.9, p.136)
O reformador entende que cada mandamento tem seu propósito. Com base nesse propósito (que se preserve a vida humana, por exemplo), poderemos entender o que é ordenado e o que é proibido. Além disso, ele argumenta, as ordens apresentadas indicam qual a violação mais grave, a fim de que entendamos que os erros correlatos estão no mesmo gênero do preceito maior.
"Visto que a carne sempre diligencia por diluir e revestir de ilusórios pretextos a fealdade do pecado, salvo onde ela é palpável, Deus propôs à guisa de exemplo o que era mais abominável e mais execrando em cada gênero de transgressão, ao ouvirmos o que também enchesse de temor nossa sensibilidade, a fim de que à alma nos imprimisse maior repulsa de todo e qualquer pecado." (2.8.10, p.137)
Novamente, o exemplo do sexto mandamento nos será útil para entendermos esse princípio de interpretação.
"Por exemplo, quando são referidos por seus meros designativos, a ira e o ódio não são julgados males especialmente execrandos. Quando, porém, se nos proíbem sob o nome de homicídio, entendemos melhor em quão grande abominação incorrem diante de Deus, de cuja palavra são relegados à categoria de tão horrenda ignomínia. E nós próprios, movidos por seu juízo, costumamos pesar melhor a gravidade dos delitos que antes nos pareciam leves." (idem)
Que levemos em consideração essas verdades. Não podemos nos esconder detrás de delitos que parecem menores aos nossos olhos. Embora exista diferença na gravidade de cada erro, ainda assim todo pecado é uma grave ofensa contra o Criador. Que esses alertas nos ajudem a crescer cada dia mais em piedade.
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