Calvino volta-se novamente para a questão dos decretos de Deus em relação aos maus atos cometidos. Ele fala da popular distinção entre Deus fazer e permitir certo evento, para então negar que haja base para supor isso. Os atos malignos também são decretados por Deus, mas ele não se mancha com isso. Um dos exemplos claros está em Jó, que foi atacado por Satanás, mas associou a Deus o que aconteceu com ele, sem que houvesse qualquer objeção da Escritura."Jó reconhece que da parte de Deus fora despojado de todos os seus haveres e em pobre transformado, pois assim aprouvera a Deus. Portanto, seja o que for que os homens maquinem, ou o próprio Satanás, entretanto Deus retém o timão, de sorte que lhes dirija os propósitos no sentido de executarem seus juízos... Seria ridículo que o Juiz apenas permitisse o que queria que fosse feito, contudo não o decretasse e não determinasse a execução aos serventuários." (1.18.1, p.224)
Para Calvino, é um absurdo considerar a idéia de que Deus fica apenas "assentado numa guarita" (1.18.1, p.225), dependendo do que os homens decidem fazer ou nao, para executar seus decretos. Pelo contrário, a mente do homem é dirigida pelo Senhor para seus propósitos. Mesmo na condenação dos réprobos vemos o Espírito como causa eficiente.
"Muitos, porém, lançam estes fatos à conta da permissão, como se, ao rejeitar aos réprobos, Deus os deixasse entregues a Satanás para que os cegasse. Todavia, uma vez que o Espírito Santo declara expressamente que cegueira e insânia são infligidas pelo justo juízo de Deus [Rm 1.20-24], essa solução se torna muitíssimo frívola." (1.18.2, p.225)
Calvino cita o caso de Faraó, onde a Bíblia ensina que Deus endureceu o coração do inimigo dos judeus, ao mesmo tempo que deixa claro que o vilão também estava agindo. Trata-se de uma relação praticamente sinergista, em que o Senhor sustenta e guia os maus desígnios do pecador para seus propósitos. De fato, o reformador nos lembra que se não for assim, como poderia o coração de Faraó ter se endurecido mais ainda?
"Como se, na verdade, se bem que de modos diversos, não se harmonizem perfeitamente bem entre si estes dois fatos: que o homem, quando é acionado por Deus, contudo ele, ao mesmo tempo, está também agindo. Eu, porém, lanço contra eles o que objetam, porque, se endurecer denota permissão absoluta, o próprio impulso da contumácia não estará propriamente em faraó. Com efeito, quão diluído e insípido seria interpretar assim, como se faraó apenas se deixasse endurecer!" (1.18.2, p.226)
Assim, é necessário que aceitemos essa doutrina. Deus não precisa de defensores, mas quer que anunciemos sua verdade, por mais dolorosa que seja aos nossos ouvidos antropocêntricos. O Rei do Universo comanda todos conforme sua vontade, sem se deixar sujar pelo pecado. Isso pode ser difícil de compreender para alguns, mas é o que a Palavra nos apresenta. Que nos submetamos a ela, então.

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