Se Deus decreta tudo o que acontece, como vemos passagens onde a Escritura afirma que Deus arrependeu-se de certas ações, ou que ele mudou seu decreto baseado em ações humanas? Essas questõs Calvino responderá nas últimas seções desse longo capítulo sobre a providência.
Primeiramente, ele trata da questão do arrependimento de Deus. Para o reformador, a Bíblia deixa bastante claro que Deus não comete erros para arrepender-se. Calvino lembra que num mesmo capítulo a Bíblia usa a expressão arrependimento para Deus, para logo em seguida dizer que o Senhor não arrepende-se (1Sm 15). Assim, devemos entender essa palavra, quando usada para Deus, como um antropomorfismo.
"Esta é, na verdade, a forma de acomodação: que se representa, não tal como é em si, mas como nós o sentimos... assim também não devemos conceber outra coisa sob o vocábulo arrependimento senão a mudança de ação... pelo termo arrependimento se entende o que Deus muda em suas obras. Entretanto, não se reverte nele nem o plano, nem a vontade, nem se oscila seu sentimento. Ao contrário, o que desde a eternidade previra, aprovara, decretara, leva adiante em perpétuo teor, por mais súbita que a variação pareça aos olhos dos homens." (1.17.13, p.220s)
Sobre a mudança de decisão que Deus toma sobre certos assuntos, como, por exemplo, a não-destruição de Nínive no livro de Jonas, o reformador também tem muito a nos dizer. Existem ações que Deus quer tomar, mas que têm as reações dos seres humanas como meios para chegarem a elas. Isto é, para salvar Nínive, é necessário propor o arrependimento por meio da ameaça de destruição. Deus iria salvar a cidade, mas era necessário levar aquele povo ao reconhecimento de seus erros.
"Quem não percebe que, mediante ameaças desta ordem, o Senhor queria despertar ao arrependimento àqueles a quem infundia medo, para que escapassem ao juízo de que, por seus pecados, eram merecedores?" (1.17.14, p.221)
Da mesma maneira, quando Deus nos exorta a mudarmos nossos caminhos, é preciso saber que ele tem prazer em levar-nos ao arrependimento, e não deseja o castigo de seus filhos. Nosso Pai está pronto a perdoar e retém suas maldições se humildemente nos voltamos para ele diante de uma advertência.
"Pois o Senhor aplaina o caminho para sua eterna determinação quando, anunciando o castigo, exorta ao arrependimento àqueles a quem quer poupar, antes que algo varie em sua vontade, e certamente não em sua palavra, exceto que não exprime, sílaba a sílaba, o que entretanto é fácil de entender." (1.17.14, p.222)
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