"Pareceu-me bem abordar, de passagem, estes dois pontos, para que o leitor já veja quanto discordo dos escolásticos mais sóbrios. Ora, dos sofistas mais recentes difiro em extensão ainda maior, a saber, quanto estão distanciado da antigüidade." (2.2.6, p.34)
Nessas seções o reformador lista algumas das idéias dos antigos teólogos a respeito da liberdade humana. Embora concorde em algum ponto ou outro, o teólogo de Genebra rejeita boa parte do que foi ensinado pelos pais. O que se percebe é que eles se preocuparam muito mais em adaptar noções filosóficas (como já foi dito) a realizar uma boa exegese da Palavra. Isso não difere muito do que muitos cristãos fazem hoje, dependendo mais de Freud e Darwin que de Moisés ou Paulo.
Vejamos alguns exemplos:
"No afã de tornar isto evidente, o autor da obra A Vocação dos Gentios enumera uma tríplice vontade: a primeira, sensória; a segunda, animal; a terceira, espiritual, das quais as duas primeiras ensinam que o homem as tem livres, sendo a última obra do Espírito Santo no homem." (2.2.5, p.33)
"Veio, porém, a prevalecer entre as escolas a distinção que enumera uma tríplice liberdade: a primeira, da necessidade; a segunda, do pecado; a terceira, da miséria, das quais a primeira é por natureza de tal forma inerente ao homem que de nenhum modo pode ser alijada; as outras duas foram perdidas mediante o pecado. De bom grado acolho esta distinção, exceto que aqui se confunde, indevidamente, necessidade com coação." (idem)
Desses escritos emerge também a idéia de dois tipos de graça em Deus - uma que coopera com nosso livre-arbítrio (já que desejaríamos, de algum modo boas coisas), e outra que é a ação única de Deus sobre nós, nos dando o desejo de querer o bem. Esses aspectos se chamariam de graça cooperante e graça operante, respectivamente. O problema dessa definição é justamente a idéia de que o homem naturalmente tem uma tendência ao bem.
"Nesta divisão desagrada-me isto: que, enquanto atribui à graça de Deus o eficaz desejo do bem, dá a entender que, já de sua própria natureza, de certo modo, ainda que ineficazmente, o homem deseja o bem. Assim Bernardo, asseverando que de fato a boa vontade é obra de Deus, no entanto concede isto ao homem: que ele deseja, de moto próprio, esta espécie de boa vontade." (2.2.6, p.33)
Como Calvino ainda não se dedicará a combater as idéias de autonomia humana, não temos aqui grandes objeções contra as doutrinas apresentadas, apenas o parecer do reformador sobre elas. O que podemos aprender é aquilo que sempre foi dito por ele - testar todas as doutrinas pelas Escrituras, a fim de nos protegermos contra pressupostos humanos.
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