"Sem dúvida, nisto somos todos diferentes, a saber, em que cada um, por sua vez, suscita para si algum erro peculiar; todavia, nisto são muito semelhantes, a saber, em que à uma, por meio de absurdas ridicularias, todos nos desgarramos do Deus único e verdadeiro. Desta enfermidade são afetados, não apenas os espíritos vulgares e obtusos, mas ainda os mais ilustres e dotados de outra sorte de habilidade singular." (1.5.11, p.65)
A mente humana, quando deixada sozinha, é uma fábrica de ídolos - mais uma expressão calvinista que tornou-se clássica.
"Dificilmente um só jamais se achou que não fabricasse para si um ídolo ou imagem no lugar de Deus. Na verdade, exatamente como as águas borbulham de vasta e ampla fonte, imensa turba de deuses tem promanado na mente dos homens, enquanto cada um, a divagar com excessiva licença, erroneamente inventa isso ou aquilo acerca do próprio Deus." (1.5.12, p.66)
Com isto em mente, o reformador lista algumas escolas filosóficas que, embora proveitosas às vezes, não conseguiram alcançar ao verdadeiro Deus, mas apenas criaram ídolos para si. Em 1.5.12, Calvino critica os estóicos, a teologia esotérica dos egípcios, os epicureus, além de Simônides. O ser humano é incapaz de produzir a verdadeira religião com base apenas em si mesmo e em uma opinião falível.
"Todos quantos se afastam do Deus único adulteram a religião pura, como necessariamente sucede a quantos se entregam à sua própria opinião... Mesmo que nem todos hajam laborado em vícios crassos, ou resvalado a idolatrias francas, nem assim houve alguma religião pura e aprovada que se fundamentasse apenas no senso comum... a opinião humanamente concebida, ainda que nem sempre engendre farto amontoado de erros, não obstante é a mãe do erro." (1.5.13, p.68)
A grande ironia é que, ainda que seres irracionais e impessoais praticamente gritam ao homem, ele não consegue escutar nada. Aquele que deveria dominar age como se fosse o menor dos seres. Isso o torna indesculpável.
"Se o homem alega que lhe faltaram ouvidos para ouvir a verdade, quando para declará-la às criaturas mudas sobejam vozes mais do que canoras; se pleteia que com os olhos não pode ver o que lhe mostram as criaturas não dotadas de visão; se como escusa evoca a deficiência do entendimento, quando o ensinam todas as criaturas destituídas de razão!... Sem rumo e desgarrados, nos extraviamos, quando todas as coisas nos apontam a trilha certa." (1.5.15, p.70)
A solução para o problema humano é que Deus haja na vida das pessoas. É preciso que o Senhor nos guie ao verdadeiro conhecimento dele.
"Não temos olhos para contemplá-la, salvo-se, mercê da revelação interior de Deus, mediante a fé, eles sejam iluminados." (1.5.14, p.69)
É sobre este guia que Calvino tratará nos próximos capítulos - a Escritura.
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