"Por isso, alguns dentre os filósofos, outrora, designaram o homem, não sem razão, de microcosmos, porquanto é ele raro exemplo de poder, da bondade e da sabedoria de Deus, em si contém bastante de milagres para ocupar-nos a mente, desde que não nos enfademos de dar-lhes atenção." (1.5.3, p.57)
É por esse motivo que alguns consideram Calvino como um humanista, ainda que possuísse uma mente teocêntrica. Ao contrário do que outros pensam, o reformador não desprezava o ser humano como criação de Deus, mas o valorizava, ainda que gastasse severas palavras contra o homem, quando esse se distrai do Criador. Uma das maneiras de negar Deus, evidentemente, é não nos reconhecermos como obra dele.
"Ora, se para aprendermos a Deus não é necessário sairmos fora de nós mesmos, aquele que se fizer moroso em descer em seu íntimo para aí descobrir a Deus, sua negligência merecerá perdão?" (idem)
Mais ainda, citando o Salmo 8.2: "Da boca de pequeninos e crianças de peito suscitaste força", o reformador nos mostra que mesmo as crianças refletem o Feitor de tudo.
"E assim não apenas postula que no gênero humano reside nítido espelho das obras de Deus, mas também que as criancinhas, ainda a penderem no seio materno, tem línguas bastante eloquentes para proclamar sua glória, de tal modo que não se requer nenhum orador." (idem)
Outra evidência para reconhecermos Deus é a variedade de dons, habilidades e poderes que são nos presenteados por ele, de maneira que todos "são obrigados a reconhecer que essas coisas são sinais da Divindade, queiram, ou não" (1.5.4, p.57). A idéia de um homem que gerou-se espontaneamente está totalmente excluída.
"Pergunto, pois, quão detestável é esta sandice, que o homem achando a Deus cem vezes em seu próprio corpo e alma, sob este mesmo pretexto de excelência, negue que ele existe? Não dirão que se distinguem dos seres brutos por obra do acaso. Todavia, sobreposto o véu da natureza, a qual lhes é o artífice de todas as coisas, alijam Deus." (1.5.4, p.58)
Essa última frase é a descrição do homem moderno. A maioria das pessoas hoje vê-se como fruto do ocaso, de forças impessoais da natureza, que resultaram em uma criatura incrivelmente complexa. Tal doutrina é perigosa, pois, além de retirar de Deus a sua glória, acaba dando às pessoas uma visão incorreta sobre elas mesmas. Uma pessoa que nem sabe o que ela é está em trevas, sem direção e sem propósitos. Alguém que se enxerga como obra do acaso, inconscientemente (ou não), passa a perceber-se como fruto do nada e, portanto, nada também.
E não é a depressão para alguns o mal deste e do século anterior?
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