"Ora, uma vez que nossas iniqüidades, como se fosse uma nuvem interposta entre nós e ele, nos alienaram inteiramente do reino dos céus, ninguém podia ser o intermediário da paz a ser restaurada, senão aquele que pudesse achegar à sua presença... A situação, certamente, era irremediável, a não ser que até nós descesse a própria majestade de Deus, já que não estava a nosso alcance subir até ele. Daí se fazia necessário que o Filho de Deus viesse a ser nosso Emanuel, isto é, 'Deus conosco' [Is 7.14; Mt 1.23], de tal maneira que sua divindade e a natureza humana fossem unidas." (2.12.1, p.220)
No entanto, como a questão da divindade foi tratada no primeiro Livro, o reformador se concentrará na humanidade de Cristo. Para Calvino, era necessário que o Filho se tornasse homem, a fim de que ele se identificasse conosco e nós nos identificássemos com ele - o que gera o compartilhamento das bençãos divinas a nós, e das nossas fraquezas e maldições a ele.
"Quem poderia fazer isso, se o mesmo Filho de Deus não se fizesse filho do homem, e de tal forma tomasse o que é nosso, e nos transferisse o que é seu, e o que era inerentemente seu, pela graça se fizesse nosso? Portanto, apoiados neste penhor, confiamos ser filhos de Deus, porque o que por natureza era Filho de Deus, apropriou para si o corpo de nosso corpo, a carne de nossa carne, os ossos de nossos ossos, para que fosse precisamente o que somos, e não relutou em assumir o que nos era próprio, para que, por sua vez, a nós pertencesse o que ele tinha de propriamente seu, e assim ele, em comum conosco, fosse não só o Filho de Deus, mas também o Filho do Homem." (2.12.2, p.221)
Para finalizar sua meditação inicial no assunto, Calvino nos apresenta uma bonita reflexão sobre a obra de Cristo por nós. Que nos dediquemos a pensar nessas coisas, para que nosso coração se encha de louvor e adoração ao nosso Senhor.
"Quem poderia fazer isso, a não ser a própria Vida? Impunha-se-lhe vencer o pecado. Quem poderia fazer isso, a não ser a própria Justiça? Impunha-se-lhe desbaratar as potestades do mundo e do ar. Quem poderia fazer isso, a não ser um Poder superior tanto ao mundo quanto ao ar? Ora, em quem está a vida, ou a justiça, ou o senhorio e poder do céu, senão unicamente em Deus?" (2.12.2, p.221s)